Smart Glasses
Atualizado: 5 de mai. de 2020

Visando criar soluções para pessoas com deficiências visuais, o departamento de neurociências clínicas da Universidade de Oxford iniciou um projeto que culminou na gênese da empresa Oxsight. A proposta da pesquisa consistia no entendimento do déficit visual em pessoas com determinadas limitações, a fim de arquitetar um protótipo que magnificasse o escasso conteúdo óptico captado. A partir desse empreendimento, despontaram o Oxsight Prism e o Oxsight Crystal, óculos inteligentes capazes de aprimorar a acuidade visual comprometida por meio da exploração da visão residual.
Além das informações captadas por câmeras de profundidade, os óculos inteligentes utilizam visão computacional para reduzir a complexidade de cenas visuais, limitando-as aos elementos mais básicos relevantes para a realização de tarefas. Assim, os óculos permitem que pessoas com limitações visuais graves assimilem mais informações a partir da visão residual, possibilitando um maior grau de independência.

Experimentos iniciais:
Primeiro experimento: Consciência espacial e desvio de obstáculos em ambientes com pouca luz. Nesse experimento, pessoas com deficiências visuais diferentes são escolhidas para utilizar um
protótipo do óculos inteligente durante um pequeno percurso dotado de pequenos obstáculos.
Segundo experimento: Levar para casa um modelo portátil do sistema de óculos inteligentes. Por volta do final de 2014, foram feitos alguns pares dos óculos inteligentes para pessoas selecionadas utilizarem em suas tarefas diárias, a fim de analisar como as ajudariam durante essas atividades.
Terceiro experimento: Aprimoramento facial utilizando os óculos inteligentes. Devido a evidência sugestiva de que um dos protótipos dos óculos possam aprimorar a detecção facial em pessoas com estocomas (região da retina em que há perda ou ausência da acuidade visual devida a
patologias oculares, como a degeneração macular), a experiência será voltada em confirmar essa hipótese.


As experiências possuem o objetivo de fornecer informações sobre o uso dos óculos durante o cotidiano para que seja possível construir modelos superiores e mais apurados de protótipos. O óculos consiste em uma câmera de vídeo montada na armação; uma unidade de processamento computacional pequena o suficiente para caber em um bolso e um software que fornece imagens de objetos próximos através do display ocular. Esse display eletrônico transparente, localizado no lugar das lentes, disponibiliza imagens simples de pessoas próximas e obstáculos; ao passo que a câmera com o software especialmente projetado interpreta os redores, permitindo que coisas importantes sejam vistas mais nitidamente, como a guia da calçada, mesas, cadeiras e, até mesmo, grupos de pessoas.


Visto que o óculos foi incialmente projetado para auxiliar pessoas com perda visual periférica, faz-se necessário compreender o funcionamento da visão como pré-requisito para o entendimento detalhado dos óculos inteligentes.
Sistema Visual:
A luz inicia seu trajeto adentro do globo ocular ao penetrar a córnea -tecido transparente refrator-; em seguida, é refratada pelo cristalino -anel tecidual ajustado por componentes musculares- e, por fim, projeta-se sobre a camada mais interna do olho, a retina -estrutura que, além de possuir neurônios sensíveis à luz, transmite sinais visuais para destinos centrais-.

Os fotorreceptores, subdivididos em bastonetes e cones, constituem um dos cinco grupos de neurônios básicos da retina. Ambas células apresentam um segmento externo -composto de discos membranosos que contém fotopigmentos sensíveis à luz- e um segmento interno que, além de conter o núcleo da célula, origina os terminais sinápticos que estabelecem contato com células bipolares ou horizontais. A partir da absorção da luz pelo fotopigmento, inicia-se uma cascata de reações que, ao alterarem o potencial da membrana do receptor, influenciam na quantidade de neurotransmissor liberado pelas sinapses do fotorreceptor; a este processo dá-se o nome de fototransdução.
A amplitude desse encadeamento de reações varia conforme o nível de iluminação em um fenômeno denominado adaptação à luz. Isto é, em níveis baixos de iluminação, os fotorreceptores encontram-se mais sensíveis à luz, enquanto, em níveis mais altos, a sensibilidade diminui. Essa adaptação, ao garantir que os receptores não se saturem, estende a amplitude das intensidades de luz em que estes neurônios operam.
Por não possuírem potencial de ação, a estimulação dos fotorreceptores, pela luz, causa uma alteração graduada no potencial de membrana e, consequentemente, uma alteração correspondente na taxa de liberação do neurotransmissor sobre os neurônios pós-sinápticos. Ademais, vale ressaltar que o brilho da luz sobre esses receptores leva à hiperpolarização da membrana. Portanto, aumentos progressivos na intensidade da iluminação em um receptor que se encontra no seu estado despolarizado (no escuro) resultam em potenciais de membrana ainda mais negativos.


Em virtude dos fotorreceptores operarem de acordo com o grau de iluminação, a função visual varia entre três espectros. Em níveis baixos de luz, a visão escotópica é mediada pela percepção dos bastonetes, justificando a dificuldade de se fazer distinções visuais mais apuradas e a ausência da percepção de cor. À medida que a iluminação aumenta, a participação dos cones se torna mais evidente, sendo principal determinante de percepção em condições de iluminação relativamente intensas, nas quais os bastonetes encontram-se saturados; nesta situação, onde a contribuição dos bastonetes para a visão é quase nula, a função visual atuante é a fotópica.
Com base no funcionamento dos fotorreceptores de acordo com a iluminação, é possível perceber a dimensão do papel dos cones na visão. À vista disto, indíviduos que perderam a função dos cones são legalmente cegos (como na degeneração macular), enquanto os que perderam a dos bastonetes apresentam apenas dificuldades visuais em níveis baixos de iluminação (como na cegueira noturna).
A distribuição dos fotorreceptores ao longo da superfície da retina não ocorre de forma homogênea, posto que a quantidade de bastonetes excede a de cones em quase toda a região, exceto em um local, a fóvea. Esse extremo aumento na densidade de cones acompanhado do declínio na densidade de bastonetes junto à relação de um para um com as células bipolares e ganglionares da retina possibilitam a mais alta acuidade visual. Em decorrência dessa exclusão dos bastonetes da fóvea e da alta densidade desse receptor em outras regiões, torna-se mais fácil para um indivíduo enxergar objetos pouco iluminados quando não são olhados diretamente.
O arranjo dos circuitos que transmitem informações dos cones e bastonetes para as células ganglionares destoam, ainda que os sinais de ambos receptores convirjam, na maior parte da retina, para as mesmas células ganglionares. Portanto, enquanto os sinais dos cones perpassam apenas a célula bipolar desse receptor para alcançar a célula ganglionar (relação de um para um entre cone e célula bipolar); os sinais dos bastonetes percorrem a célula bipolar dos bastonetes, a célula horizontal, a célula bipolar dos cones para, assim, chegar a célula ganglionar. Além disso, cada célula bipolar de bastonete recebe contatos de um certo número de bastonetes, enquanto cada célula bipolar de cone realiza sinapse apenas com um cone; essa convergência torna o sistema de bastonetes tanto melhor em detecção de luz, uma vez que pequenos sinais de diversos receptores somam-se para formar uma resposta mais intensa na célula bipolar, quanto pior na resolução espacial, posto que a fonte do sinal luminoso pode vir de qualquer ponto da retina.

A maior parte da informação transmitida por cenas visuais consiste em variações espaciais na intensidade de luz. Em razão disto, para detectar essas nuances que incidem sobre os fotorreceptores, são necessárias as células ganglionares que respondem à estimulação de um pequeno espaço circular da retina definido como campo receptivo da célula.
Divididas em duas classes: centro-ON (aumenta taxa de descarga de potenciais de ação para aumentos de luminância) e centro-OFF (aumenta taxa de descarga de potenciais de ação para decréscimos na luminância); as células ganglionares sinalizam alterações na luminância de uma cena sem fornecer informações ambíguas a respeito de suas respectivas elevações e reduções. Para que essa função fotodetectora seja exequível, ocorre a divisão anatômica-funcional entre centro do campo receptivo e região circunvizinha por meio do antagonismo centro-periferia.
Além de garantir maior sensibilidade a célula em relação ao contraste na luminância -por efeito de respostas mais vigorosas à pequenos pontos de luz confinados ao centro do que à grandes pontos ou iluminação uniforme-, o mecanismo centro-periferia auxilia no processo de adaptação à luz.
Visto que a escala de intensidades de luz é consideravelmente maior que a de disparos da célula ganglionar, torna-se imprescindível, para a detecção de contrastes luminosos, a presença de recursos adaptadores. Portanto, a taxa de disparo não compõe uma medida absoluta de intensidade da luz, mas uma sinalização da diferença do nível de iluminação entre o ponto a ser analisado e o fundo do cenário.

Distúrbios Visuais:
Em condições normais, a visão periférica limita-se aproximadamente em 60 graus no campo visual nasal, entre 100 a 110 graus no campo visual temporal, em 60 graus no campo visual superior e cerca de 75 graus no campo visual inferior. No entanto, há uma parcela significativa de indivíduos cujas amplitudes visuais dos meridianos encontra-se reduzida.
Essa insuficiência visual pode ser produto de inúmeras condições, como:

Glaucoma:
Essa enfermidade consiste no aumento da pressão intraocular causada pelo vazamento de um fluído ocular -humor aquoso-, que resulta em possíveis danos ao nervo
óptico e/ou as células da retina, impossibilitando tanto a transmissão das informações captadas pelas células da retina quanto a própria captação de sinais luminosos pelos neurônios dessa estrutura.
Retinite Pigmentosa:

Distrofia hereditária da retina causada pela perda de fotorreceptores e por depósitos de pigmentos na retina. Essa distrofia de cones e bastonetes desponta da incapacidade de assimilação visual em determinadas partes da retina, prejudicando a acuidade visual e a extensão do campo visual.

Dano Cerebral por Acidente Vascular Cerebral:
Ao privar o cérebro de oxigênio, o acidente vascular cerebral (AVC), coloca em risco a vida de sua vítima e, muitas vezes, deixa sequelas profundas, como a perda de condição visual. Um dos possíveis desdobramentos dessa carência visual é a perda do campo visual, na qual parte da visão é apagada devido danos nos caminhos ópticos que seguem dos olhos ao cérebro.
Além das deficiências que acometem a extensão do campo visual, há distúrbios que interferem no sistema de adaptação há luz, impossibilitando a distinção de contrastes luminosos.
Funcionamento do óculos:
Nos casos de falha na amplitude do campo visual, os óculos inteligentes são programados para escanear o ambiente, reduzindo as dimensões da imagem de acordo com a área da retina capaz de assimilar informações visuais. Garantindo, portanto, que o usuário tenha acesso a imagem de um campo visual normal ainda que o seu seja deficitário.
Já nos indivíduos que possuem dificuldades de adaptação à luz, os óculos modificam a iluminação da imagem projetada no visor e delineiam as bordas dos objetos, garantindo que, durante a mudança entre cenários cujos brilhos divergem, não haja perca de 20 minutos, ou mais, para a acomodação das células ganglionares e, consequentemente, assimilação do ambiente.
Referências:
PURVES, D., et al. Neurociências. 4a ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
http://www.ox.ac.uk/news/2014-06-17-smart-glasses-people-poor-vision-being-tested-oxford
https://www.oxsight.co.uk
https://www.ndcn.ox.ac.uk/research/oxford-smart-specs-research-group