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“Desabafar” pode, cientificamente, ajudar um indivíduo comdepressão?

Por Giovana Santos Fontana


(Cena do filme” The Help”, 2011)


Advertência A despeito do texto ter como intuito único a divulgação científica e a expansão do conhecimento neurocientífico, a Sapiens gostaria de comunicar aos seus leitores sobre a sensibilidade do tema abordado a seguir, que apresenta possibilidade de desencadear gatilhos emocionais a alguns. A sociedade contemporânea é afetada pelos mais diversos problemas, sendo estes capazes de gerar transtornos psicossomáticos no indivíduo fragilizado. Desta maneira, os transtornos psicológicos passam a ocupar um espaço maior no mundo moderno e, dentre eles, um merece destaque: o transtorno depressivo. (UNASUS, 2014) Como já dizia o fundador da psicanálise, Sigmund Freud: “As emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e saem de piores formas mais tarde.”. A fala, a comunicação, o ato comumente conhecido por “desabafar” pode ser, de fato, a chave para que essas emoções não expressas, especialmente quando analisadas em relação a uma pessoa com depressão, eventualmente, não saiam de maneiras piores mais tarde. Primeiro, antes de buscar compreender como isso pode ser eficiente – e se, claro, de fato é - faz-se necessário conceituar o que é a depressão. A depressão é definida como um transtorno mental responsável por causar incapacidade e contribui de modo muito significativo para a carga global de doenças. Estudos relacionados ao campo da neurociência vêm apontando alterações nas áreas frontais do cérebro humano, importantes por modular as estruturas límbicas e do tronco encefálico, de diferentes pacientes portadores do transtorno depressivo: jovens, idosos, unipolares e bipolares. Estas áreas estão diretamente ligadas ao controle do comportamento emocional, logo, as disfunções nesses circuitos devem participar da patogênese dos sintomas da depressão. (MARCIA; ROZENTHAL et al, 2004) Segundo definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), haverá nas próximas décadas uma alteração drástica nas necessidades de saúde da população, pois as doenças como depressão e cardiopatias estão substituindo os problemas tradicionais de má nutrição e doenças infecciosas. (SAINT-CLAIR; BAHLS, 2002; CHEI TUNG; TENG et all, 2005). Ademais, o transtorno depressivo pode causar à pessoa afetada um grande sofrimento e disfunção nos mais variados sentidos, escola, trabalho ou meio familiar e, futuramente, pode levar ao suicídio (MAKILIM NUNES; BAPTISTA et al, 2001). Além disso, a OMS admite o suicídio e as suas tentativas como uma prioridade na agenda global de saúde, uma vez que aproximadamente 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano, e a cada 40 segundos uma pessoa morre por suicídio sendo ele a segunda principal causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos de idade, no entanto, 90% dos casos podem ser impedidos.

Mas como? Eis o dilema... Falar sobre depressão e suicídio nunca é fácil, porém é essencial. Da mesma maneira que agravantes e fatores de risco existem para potencializar as chances do transtorno depressivo se desenvolver e intensificar, também existem os fatores de proteção. Ao tratar de saúde mental e buscar alternativas para promovê-la, a utilização de rodas de conversa como método de intervenção tem ganhado destaque, inclusive por ser uma alternativa mais prática e menos dispendiosa (RAPHAEL RANIERE; DE OLIVEIRA, 2015).

As rodas de conversa passaram a ser compreendidas como “lugar de aprendizado” que permitem a consolidação de vínculos afetivos, contribuem para o desenvolvimento da confiança e a capacidade de analisar situações, de refletir sobre diversas questões com mais profundidade, de partilhar sentimentos entre outros. Por outro lado, é de consciência coletiva que devido a uma série de comportamentos defensivos que provocam um bloqueio nos indivíduos que os impede de compartilhar suas vivências e aproveitar os benefícios de uma roda de conversa. (RAPHAEL RANIERE; DE OLIVEIRA, 2015)

Partindo do conceito de que, devido a constatações científicas, o cérebro de uma pessoa portadora do transtorno depressivo apresenta alterações nas áreas diretamente ligadas ao controle do comportamento emocional, a participação em rodas de conversa poderia ser vista como um fator de proteção de extrema eficácia, levando em consideração que o indivíduo depressivo tende a apresentar comportamento retraído e autodepreciativo, o envolvimento com as rodas de conversa poderia apresentar efeitos relevantes no nível de depressão destes seres. (MARCIA; ROZENTHAL et al, 2004; RAPHAEL RANIERE; DE OLIVEIRA, 2015)

Ademais, A fala, através da conversa, tem se mostrado como uma ferramenta para promoção da saúde mental, apoio emocional e melhora de quadros depressivos e prevenção do suicídio (DE OLVEIRA COSTA, et al., 2015; NASCIMENTO, 2016; FRATTAROLI, 2006; RIMÉ, 2001). Um exemplo disso se dá através de estudos feitos na área, como por exemplo um que analisou as respostas fisiológicas das emoções de um grupo de 112 jovens que foram estressados, propositalmente, através de uma tarefa difícil. Eles foram divididos em dois grupos: o grupo experimental, ao qual foi solicitado que falasse sobre seus sentimentos e emoções durante o processo; e o grupo controle que apenas respondeu um questionário. Os resultados mostraram que o simples ato de se falar sobre seu estado emocional, traz um impacto substancial na reação do corpo a uma situação emocional. (KASSAM e MENDES, 2013)

No Brasil, existe uma instituição de trabalho voluntário que também se utiliza da fala e da conversa como ferramenta de apoio emocional e como estratégia de prevenção do suicídio: o Centro de Valorização da Vida (CVV). Os atendimentos por telefone, utilizando hotlines são realizados por voluntários maiores de 18 anos, das mais diversas áreas de formação. Ele atua prestando apoio emocional com base na ACP (Abordagem Centrada na Pessoa) do psicólogo Carl Rogers. Essa abordagem parte do pressuposto que o ser humano possui uma tendência natural (tendência atualizante) para o desenvolvimento positivo que se manifesta quando se sente livre de ameaças e acolhido. E, assim, o diálogo seria o estímulo para que a tendência atualizante se manifeste e o próprio indivíduo se torne capaz de escolher seus caminhos em direções construtivas para o seu crescimento e realização de seus potenciais (DOCKHORN e WERLANG, 2018; NASCIMENTO, 2016) Sendo assim, o que nós muito equivocadamente as vezes julgamos como um simples ato humano - falar - pode, na verdade, ter um impacto muito maior e muito mais positivo se feito da maneira adequada, com empatia, auxílio de profissionais adequados e, principalmente, em um espaço acolhedor e receptivo.



Referências:

https://www.unasus.gov.br/noticia/oms-adverte-que-depressao-e-doenca-mais-frequente-na-a dolescencia PRATTA, Elisângela Maria Machado; SANTOS, MA dos. Família e adolescência: a influência do contexto familiar no desenvolvimento psicológico de seus membros. Psicologia em estudo, v. 12, n. 2, p. 247-256, 2007.

ROZENTHAL, Marcia; LAKS, Jerson; ENGELHARDT, Eliasz. Aspectos neuropsicológicos da depressão. Revista de Psiquiatria, v. 26, n. 2, p. 204-12, 2004.

BAHLS, Saint-Clair. Aspectos clínicos da depressão em crianças e adolescentes. Jornal de Pediatria, v. 78, n. 5, p. 359-366, 2002.a.

BAPTISTA, Makilim Nunes; BAPTISTA, Adriana Said Daher; DIAS, Rosana Righetto. Estrutura e suporte familiar como fatores de risco na depressão de adolescentes. Psicologia: ciência e profissão, v. 21, n. 2, p. 52-61, 2001.

DE OLIVEIRA COSTA, Raphael Raniere et al. As rodas de conversas como espaço de cuidado e promoção da saúde mental. Revista de Atenção à Saúde (antiga Rev. Bras. Ciên. Saúde), v. 13, n. 43, 2015

KASSAM, Karim S.; MENDES, Wendy Berry. The effects of measuring emotion: Physiological reactions to emotional situations depend on whether someone is asking. PloS one, v. 8, n. 6, p. e64959, 2013.

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