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Escrita Espelhada

Por Isabella Lupinari








A compreensão do funcionamento da linguagem escrita envolve fenômenos complexos que abrangem a interação do indivíduo com o meio ambiente e sistemas motores e perceptivos. A neurociência permitiu que o estudo de fenômenos comportamentais e neurais estruturasse o modelo de Cognição Incorporada, no qual múltiplas modalidades se organizam de maneira integrativa para o funcionamento da linguagem. Podemos observar a interdependência entre as modalidades de processamento cognitivo no processo da escrita que depende do desenvolvimento de especializações de áreas cerebrais distintas. Em crianças e adultos com lesões cerebrais, estuda-se o fenômeno da escrita espelhada, que consiste em uma dificuldade de distinguir a orientação da direção escrita entre direita e esquerda, o que indica uma confusão espacial ou direcional motora durante a escrita dos grafemas na linguagem.


A escrita envolve diversos processos cognitivos como memória, linguagem, raciocínio, planejamento e programação motora das sequências de traçados para efetuar sua ação. No início da aprendizagem da escrita manual o processo não é automatizado, o que faz com que seja necessário a utilização de recursos de alto nível (processamento central), os quais posteriormente serão necessários apenas para a produção textual. No Alzheimer a escrita pode ser prejudicada devido aos déficits no processamento grafomotor central e também periférico, o que ressalta a importância destes níveis de processamento na escrita.

A escrita espelhada quase sempre é realizada com a mão esquerda. Existem diversas causas para a escrita com espelhamento como imaturidade, envelhecimento, demência, dificuldades de aprendizagem entre diversas outras formas de deficiência cognitiva e casos adquiridos de confusão e desorientação. (SCHOTT, 2007). Entre as estruturas, os gânglios da base, região temporal posterior, múltiplas áreas no córtex parietal, córtex temporal, temporoparietal e fronto-tempo-parietal, córtex

occipito-parietal, estriado e cápsula interna e o tálamo englobam possíveis regiões associadas a este fenômeno.

Em um estudo de G.D Schott foi realizada uma revisão sobre diversas abordagens do fenômeno da escrita espelhada. Em alguns idiomas é comum observar a escrita na direção da direita para a esquerda com o controle do movimento no hemisfério direito. A ativação cerebral em canhotos mostra atividades esperadas no hemisfério direito ou bilateralmente em comparação com as pessoas destras que possuem maior ativação no hemisfério esquerdo. Além disso, ocasionalmente a escrita espelho pode vir acompanhada da leitura espelho que está associada a uma variedade de outros distúrbios visuoespaciais e confusão esquerda-direita.

A escrita espelhada pode voltar a ocorrer na fase adulta após evento de lesão encefálica, mesmo em indivíduos com história de alfabetização, assimilação e uso corretos do sentido das letras. Há diversas hipóteses que predizem a ocorrência de escrita espelhada após lesão encefálica, e cabe analisar as variáveis de cada caso para compreender os mecanismos pelos quais o espelhamento está ocorrendo. Em Angelillo et al, o paciente não apenas espelhava as letras, como também fazia a inversão do próprio sentido da escrita. Observa-se como a escrita espelhada pode não somente estar relacionada ao desenvolvimento das áreas encefálicas uma a uma, ou mesmo da conectividade das células de uma área encefálica específica (como é o caso da dislexia), mas também da comunicação entre as vias e áreas corticais correlatas.

Em crianças canhotas em idade de alfabetização um viés do hemisfério direito para o controle do movimento dos olhos durante a leitura poderia influenciar em um conflito com a direção da escrita já que um hemisfério controlaria os olhos e um outro hemisfério a movimentação da mão. Compreendendo as bases de assimilação do sentido correto da escrita em conformidade com o processo de alfabetização, entende-se que a escrita espelhada é uma fase comum a todas as crianças em fase escolar. No entanto, crianças com dislexia parecem sofrer por mais tempo com a escrita espelhada do que crianças sem dislexia. Isso se deve a vários fatores como menor ativação do córtex parietal e temporal esquerdos durante leitura, em conjunto com anormalidades da estrutura morfológica encefálica.




Referências Bibliográficas:


ANGELILLO, Valentina G. et al. Persistent left unilateral mirror writing: a neuropsychological case study. Brain And Language, [S.L.], v. 114, n. 3, p. 157-163, set. 2010. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.bandl.2010.04.003.

SCHOTT, G D. Mirror writing: neurological reflections on an unusual phenomenon. Journal Of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry, [S.L.], v. 78, n. 1, p. 5-13, 1 jan. 2007. BMJ. http://dx.doi.org/10.1136/jnnp.2006.094870.


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