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Gestos e Linguagem




A utilização de gestos durante a fala é um ato comum, tanto que instigou alguns cientistas e pesquisadores a analisar melhor a razão pela qual isso acontece. Descobriu-se que os gestos e a fala podem fazer parte de um sistema integrado e que a análise desses movimentos pode ser de grande interesse para pais e médicos com o acompanhamento do desenvolvimento de crianças e para professores e alunos com o processo de aprendizagem em geral.


Os gestos que acompanham a fala não possuem sentido próprio, ou seja, só são compreendidos no contexto do discurso. Porém, podem agregar informações importantes a ele. Esses gestos podem ser divididos em quatro tipos:

Gestos Icônicos (iconic gestures) - Gestos que representam de uma maneira imaginária atributos de objetos, ações e relações de espaço. Por exemplo: ensinar uma criança a amarrar o tênis e fazer sinais com as mãos mostrando no ar os movimentos necessários para realizar a ação.

  • Gestos Dêiticos (deictic gestures) - Também conhecidos com gestos apontadores, são gestos que ligam uma ideia a um objeto, ação ou localização. Por exemplo, seguir a frase: "Meu carro está ali!" apontando para o carro.

  • Gestos Metafóricos (metaphoric gestures) - Gestos que transformam uma ideia abstrata em algo concreto. Por exemplo: Alguém diz: "Tudo isto é seu." enquanto estica os braços ao formar um grande arco no ar. Esse gesto tenta expressar de forma concreta a ideia de tudo.

  • Gestos Rítmicos (beat gestures) - Esses gestos não apresentam muito significado semântico para o discurso, mas acrescentam ritmo a fala. Por exemplo, em uma competição de soletrar o competidor bate na perna a cada letra falada, a fim de manter um ritmo.

Outro tipo de gesto são os emblemas, que sozinhos já possuem um significado aceito pela população. Nesse caso, apenas a realização do gesto já traz bastante informação sobre a intenção do locutor. Além disso, esses emblemas também podem ser diferentes dependendo da cultura de cada região. Por exemplo, o sinal de positivo, o sinal de paz, sinal de "não" com o dedo indicador.


Muitos estudos atuais apresentam a ideia de que gestos e fala fazem parte de um sistema integrado de produção e compreensão de linguagem. Eles apresentam evidências de melhora de produção e compreensão linguística com a presença de gestos que acompanham discursos. Em alguns estudos foi demonstrado que a área de Broca (responsável pela compreensão da fala, tanto por parte do locutor como do interlocutor), possui "propriedades espelho". Essas propriedades se baseiam na ideia de "neurônios espelho" encontrados pela primeira vez em macacos e que são ativados não só na realização de uma ação, mas na visualização de um indivíduo a realizando. Essa descoberta sugere uma ligação entre áreas neurais responsáveis por movimentos das mãos e a linguagem.


Experimentos interessantes foram realizados a fim de comprovar essa ideia. Dentre eles o de Tettamanti et al. (2005). Nessa linha de pesquisa, o processamento neural de verbos de ação se localiza em áreas do córtex pré-motor e motor. Essa conexão pode ser vista em um fMRI (Imagem por Ressonância Magnética funcional: um tipo de exame não invasivo que mede a concentração do nível de oxigênio no sangue enquanto o paciente realiza um desafio) em que o processamento de verbos estimulava também áreas motoras relacionadas com a ação a que se referiam. Por exemplo, o verbo "chutar" ativava áreas do córtex premotor das pernas, enquanto o verbo "pegar", das mãos.


Ainda nessa linha, mais um experimento de destaque foi realizado por Pulvermuller et al. (2005), em que se utilizou de TMS (Estimulação Magnética Transcraniana: indução por corrente elétrica no cérebro, que serve para estimular ou amortecer uma área específica) para ativar áreas do córtex premotor enquanto os voluntários ouviam verbos. Percebeu-se que o processamento das palavras ouvidas era mais rápido para aquelas cuja área que realizaria a ação indicada pelo verbo era ativada. Ou seja, quando áreas do córtex premotor responsáveis pelo movimento das pernas era ativada, os voluntários compreendiam mais rápido os verbos relacionados, como "chutar", mas não trazia efeito com verbos relacionados a outras áreas, como "pegar". E o oposto acontecia com a ativação das áreas responsáveis pelo movimentos das mãos.


Outro experimento realizado para embasar a ideia de integração dos sistemas de fala e gestos foi realizado por Wu e Coulson(2007b). Nesse experimento foram apresentadas duas imagens para os voluntários. Uma relacionada a gestos e fala e outra apenas à fala. Analisando os potenciais de evento relacionado (ERP : baseado em uma média de testes que mediam o tempo de sincronização de neurônios após um estímulo. ), percebeu-se que houve maior facilidade de integração da informação linguística para as imagens com gestos e fala, ou seja, apresentaram níveis menores de N400(integração semântica tradicional) e N300(integração semântica de imagens).Sugerindo que a combinação de gestos e discurso facilitou o processamento da imagem.


Portanto, fica mais clara a ideia de que há uma integração dos sistemas de fala e gestos. Em crianças esses gestos que acompanham o discurso podem ser muito importantes para mapear seu desenvolvimento. Percebeu-se que as crianças produzem gestos dêiticos antes mesmo de falar e se utilizam de gestos icônicos para se expressar no começo do desenvolvimento da fala. Esses gestos podem acompanhar diferentes contextos: histórias, direções e explicações de conceitos, além de se tornarem cada vez mais complexos e frequentes.


Uma descoberta interessante no assunto foi a ideia de incompatibilidade gesto-fala, em que aquilo que a criança diz e os gestos que ela faz são incompatíveis, mostrando que às vezes a criança entende melhor do assunto do que ela consegue expressar com palavras ou o oposto.

Essas descoberta podem ser de grande ajuda para a compreensão de crianças com deficiências que dificultam o desenvolvimento na área da comunicação. Em alguns casos, os gestos podem ser utilizados para compensar a falta de habilidade de discurso que essas crianças podem apresentar, tornando-se mais complexos e sofisticados ao longo do tempo. A utilização de gestos, principalmente os gestos dêiticos, pode indicar melhores chances de fala ou processo no desenvolvimento. A maior atenção aos movimentos e gestos que as crianças executam, por parte dos pais, além de ensiná-las a usá-los de maneira mais intencional e efetiva, poderia proporcionar melhor interação e compreensão de suas necessidades, criando certa forma de comunicação por meios de sinais individuais de cada criança.


Outro ambiente em que os gestos são bastante utilizados é na sala de aula. Os gestos realizados pelos alunos ao explicar um conceito pode trazer maior direção aos professores sobre a compreensão completa do assunto por parte do aluno, incompatibilidade gesto-fala. Por outro lado, descobriu-se que a utilização de gestos que acompanham uma explicação por parte dos professores facilita a compreensão para os alunos. Muitos professores já se utilizam de gestos dêiticos e icônicos para facilitar a explicação de conceitos, principalmente a explicação de conceitos matemáticos para crianças menores e para estudantes com dificuldade de aprendizagem.


Um experimento realizado por Church et al. (2004) prova a funcionalidade dos gestos na aprendizagem de estudantes com dificuldade. O experimento consistia na realização de um teste com crianças cuja língua materna era espanhol e não possuíam nenhum conhecimento de inglês. Elas foram divididas em dois grupos. Um grupo assistiu a um vídeo de novos conceitos matemáticos com fala e gestos e o outro apenas com fala, ambos em inglês. As crianças que assistiram ao vídeo com fala e gestos conseguiram aprender duas vezes mais, pois por mais que não entendessem a língua em que eles eram apresentados, conseguiam entender os gestos universais de conceitos matemáticos.


Gestos também podem ajudar na aprendizagem de novas línguas, de acordo com algumas pesquisas como a de Kelly et al. (2007). Por exemplo, levar a mão a boca como se estivesse comendo algo enquanto diz: "To eat significa comer". Porém, essa ajuda apenas ocorre quando o gesto é congruente com o sentido da palavra, ou seja, o conteúdo do gesto é importante. Além disso, a utilização de gestos na aprendizagem de novos verbos em uma outra língua aumentou a capacidade de compreensão e criou caminhos neurais de memória mais fortes. Sugerindo que a utilização de gestos com a fala também pode melhorar a memória.


A interação dos gestos e do discurso é um assunto bastante presente em pesquisas e já mostra ser de grande interesse, por apresentar aplicabilidade em diversos meios. Desde o progresso de desenvolvimento de crianças com dificuldade de fala até a criação de métodos eficientes de aprendizagem e sua influência no aprimoramento da memória. Concluindo, é um ótimo exemplo de aplicabilidade dos conhecimentos de neurociência para a sociedade e ainda possui um grande campo para futuras pesquisas.




Baseado na pesquisa de:


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